Outro dia me perguntaram: “Marcus, você já pensou em quem vai cuidar de você no futuro?” Pensei. E, como bom brasileiro, pensei errado.
Em primeiro lugar, futuro é uma coisa que a gente sempre imagina com hoverboard, carro voador, farmácia que vende juventude em cápsula. No máximo, uma velhice digna, em que você acorda e o café já está pronto, sem ter precisado levantar da cama nem vender um rim no mercado paralelo para pagar um cuidador.
Só que o futuro, dizem os especialistas — esses profissionais que nos convencem de que o que já é ruim ainda vai piorar — , está cada vez mais difícil para todo mundo. Principalmente para elas, as mulheres. Com ou sem filhos. Sim, aquelas mesmas que já passaram a vida cuidando dos outros agora têm que torcer para serem cuidadas por alguém. E, spoiler: esse “alguém” ainda está sendo inventado.
Segundo dados do Our World in Data, a taxa de fecundidade caiu pela metade no mundo em 60 anos. No Brasil, despencou de 6,12 para 1,62. Ou seja: não é só você que resolveu ter planta no lugar de filho — é meio mundo. E planta, até onde sei, não troca sua fralda geriátrica.
Se antes havia a ilusão de que ter filhos era um seguro de velhice, agora a ilusão é outra: a de que o Estado vai cuidar da gente. O Estado… Esse ente místico, que nunca soube cuidar nem da própria papelada.
Especialistas apontam que a solução está em políticas públicas de cuidado, e não na transferência dessa responsabilidade para a família. Ótimo! Pena que, no Brasil, política pública funciona como dieta: no papel, é uma maravilha; na prática, é chocolate e sofá.
E a psicanálise, esse oráculo contemporâneo dos ansiosos, o que diz? Diz o óbvio: a angústia do futuro é a angústia da nossa própria dependência. Freud (aquele senhor que nos convenceu de que nossos problemas eram culpa dos nossos pais — e, provavelmente, também nossos cuidados de velhice serão) nos ensinou que, em alguma camada da psique, somos eternas crianças esperando colo. Só que o mundo moderno avisou: “Colo é luxo. Aqui, no máximo, você ganha um link para agendar seu próprio enterro.”
Lúcia Amaral, bibliotecária aposentada e apaixonada por sudoku, planeja uma velhice cercada de amigos, não de filhos cuidadores. Como se amigo aguentasse visitar a gente em asilo sem internet! Denise Crispim, mãe solo e batalhadora, já junta dinheiro como quem guarda comida pra seca. E Seu Arlindo, ex-professor de geografia e craque em se perder no próprio bairro, anda agora mapeando rampas e barras de apoio como quem traça as últimas grandes rotas do Velho Mundo — o tesouro, claro, sendo: conseguir ir ao banheiro sem precisar pedir socorro.
O problema é que envelhecer ficou caro. E ficar velho pobre, então, é quase contravenção. Casas de repouso cobram mais que hotel cinco estrelas. Cuidador em casa custa mais que cursinho pré-vestibular. E, ironicamente, quem trabalha nesses cuidados — majoritariamente mulheres negras — ganha pouco, trabalha muito e é invisível na fila da aposentadoria.
A pergunta “quem vai cuidar de mim?” é menos sobre quem vai trazer o copo d’água e mais sobre quem vai nos ver como seres humanos até o fim. Numa sociedade que idolatra produtividade e juventude, ser velho, pobre e dependente é quase pedir desculpas por ainda estar respirando.
Então, trate de cuidar de si enquanto ainda consegue subir dois lances de escada sem negociar com Deus. Fortaleça seus vínculos. Seu corpo. Sua cabeça. E, se der, fortaleça o bom humor, porque vai precisar. Faça amigos mais novos. Mais fortes. Mais saudáveis. E que gostem de visita a hospital, porque, é isso que vai contar. Ame com leveza. Apaixone-se, mas, por precaução, assine um bom plano de saúde. E, principalmente: vote bem. Vote como quem escolhe salva-vidas antes de pular num rio poluído.
Porque, do jeito que a coisa vai, o único Estado que vai cuidar da gente será o de decomposição — E olhe lá.
Saiba mais:
- Política Nacional de Cuidados: Documento oficial que apresenta os principais aspectos conceituais da política e do plano nacional de cuidados no Brasil. Serviços e Informações do Brasil
- Taxas de Fecundidade no Brasil: Dados do IBGE que mostram a evolução das taxas de fecundidade no país, indicando uma tendência de queda ao longo dos anos. Reflexões sobre Envelhecimento e Cuidados: Artigo que discute os desafios enfrentados por mulheres solteiras e sem filhos na velhice, com base em estudos da USP. USP
- Desafios do Cuidado: Gênero, Velhice e Deficiência: Análise sobre como o envelhecimento populacional e a deficiência impactam a necessidade de cuidados na sociedade contemporânea. Portal do Envelhecimento e Longeviver
- Cuidado, Gênero e Pobreza: Discussão sobre os desafios enfrentados por mulheres ao longo do ciclo de vida familiar, especialmente no contexto de cuidados. Boletim Lua Nova — CEDEC


