Como envelhecer em 30 linhas

O Ministério da Educação, num lampejo de originalidade geriátrica, decidiu que a juventude brasileira deve refletir “com profundidade filosófica” sobre o envelhecimento. Este sim, foi o tema da redação do Enem 2025 : “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”.

Nada mais justo: quem melhor para falar sobre o envelhecer do que um adolescente que ainda acha que dor nas costas é coisa de velho e que a aposentadoria é uma lenda urbana contada nos grupos de WhatsApp dos pais? Imagino meio milhão de jovens, entre um story e outro, tentando rimar “gerontocracia” com “Previdência Social” — um verdadeiro quadro de Pablo Picasso com Guernica.

A banca, claro, não se contenta com um “envelhecer é um barato”. Quer “garantias constitucionais de saúde, de trabalho, de dignidade”. É como pedir a um peixe que descreva a sensação de andar de bicicleta. O estudante médio do Enem está mais preocupado em incluir o crush nos stories do que o idoso no debate público.

Mas o MEC é sagaz. O Brasil envelhece rápido — logo seremos um país de cabelos brancos tentando lembrar onde deixamos os óculos e a esperança na reforma da Previdência. Os estudantes, obedientes, escrevem sobre “etarismo” e propor que o “Poder Público” se mexa — essa entidade mitológica que, para eles, é algo entre um super-herói da DC e o suporte técnico da Netflix: sempre chamada, raramente responde.

Dizem os especialistas que o objetivo é formar cidadãos. Mira bonito, acerta no pé. Porque transformar a ansiedade de escolher um curso universitário num tratado sobre políticas públicas para idosos é como ensinar astrofísica a quem ainda está aprendendo a amarrar os sapatos.

E o edital ainda pede que o texto “exalte uma sociedade justa, inclusiva e democrática”. Exalte! Como se fosse uma ode, um samba-enredo, uma missa cívica. Enquanto isso, o candidato exalta é a sorte de conseguir um lugar na sombra na porta da escola.

Não que o propósito seja ruim — é até poético: transformar a redação num “exercício de cidadania”. Pena que, depois de quatro horas de prova, o único exercício que resta é o de sobrevivência. O Brasil, esse país que trata seus idosos com o mesmo entusiasmo com que trata seus jovens — ou seja, quase nenhum — , pede a esses mesmos jovens que resolvam em 30 linhas o que os políticos não resolvem em 30 anos. É a comédia anual da educação nacional: o país que não dá futuro pede aos adolescentes que reflitam sobre o fim da vida.

Trata-se de uma metáfora perfeita. A redação do Enem é o espelho do tempo: todos correm contra o relógio, tentando provar que entendem a vida. Só que, diferente da prova, a vida não tem rascunho. E quem viver — ou envelhecer — verá.

Referencias Bibliográficas:

DA MATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1984.

VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Analista de Bagé. Porto Alegre: L&PM, 1981.

CARR, Nicholas. The Shallows: What the Internet Is Doing to Our Brains. New York: W. W. Norton & Company, 2010.

DEBERT, Guita Grin. A reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo: EDUSP, 1999.

RECOMENDAMOS

Coluna