Por que os jovens pedem mais demissão?

Entre Freud, Bourdieu e a fila do RH

No Brasil de ontem, pedir demissão era quase um pecado. Trabalhador bom era aquele que entrava jovem na firma, envelhecia nela e, se possível, morria de gravata. Hoje, o cenário mudou: jovens de 18 a 24 anos ficam, em média, apenas 12 meses no emprego. Já os baby boomers, como Aurélio Santana, de 66 anos, construíram a vida inteira em uma única empresa.

A pergunta é: por que tanta diferença? A resposta, dizem os sociólogos, não é apenas econômica, mas cultural e até psicanalítica. Segundo Freud (1930, O mal-estar na civilização), cada geração molda seus desejos a partir das frustrações do seu tempo. Se os baby boomers desejavam estabilidade, é porque viveram num mundo que ainda prometia aposentadoria e um futuro previsível.

Já os jovens da geração Z nasceram em um cenário oposto: desemprego estrutural, automação e contratos que expiram mais rápido que a validade do leite. Aprenderam desde cedo que a fidelidade à empresa não garante segurança. Como resume o sociólogo Ricardo Antunes: “as novas gerações sabem que precisam se virar para sobreviver”. Ou seja, pedir demissão não é sinal de fraqueza. É estratégia de sobrevivência.

Pierre Bourdieu (1998, A miséria do mundo) chamaria isso de habitus: um jeito aprendido de lidar com a realidade. O habitus dos boomers era juntar 40 anos de carteira assinada. O dos GenZ é acumular experiências curtas, mas que façam sentido.

Na linguagem das empresas, chamam de job hopping. Na psicanálise, chamaríamos de busca pelo desejo. Como lembra Lacan (1966, Écrits): “o desejo do homem é o desejo do Outro”. Pois bem, o jovem só fica onde sente que é desejado — e não apenas explorado.

O contraste é claro: Boomers — estabilidade era sinal de sucesso. Geração X: equilíbrio entre carreira e vida pessoal. Millennials: propósito acima de tudo. Geração Z: aprendizado e sentido imediato.

Para Aurélio, o boomer, sucesso é olhar para trás e ver que deixou herança aos filhos. Para Raphaella, 22 anos, sucesso é mudar seis vezes de emprego em seis anos — e aprender algo novo em cada um. Enquanto um olha para o futuro, o outro olha para o presente.

As empresas, no entanto, ainda acreditam que salário é suficiente para reter talentos. Ledo engano. Antigamente o homem trabalhava 40 anos numa empresa para ter uma aposentadoria. Hoje, trabalha 40 empregos para ter um fim de semana.

Para os jovens, benefícios como home officeflexibilidade e até plano de saúde para pets valem mais que o contracheque gordo. Querem respeito, escuta e propósito. Querem ser reconhecidos como sujeitos, não como crachás.

É claro que essa dança das cadeiras custa caro. Recrutar, treinar e perder gente gera prejuízo. Mas há um efeito mais profundo: a instabilidade simbólica. Se antes a empresa era uma família (mesmo que disfuncional), hoje é apenas um contrato de curto prazo. E talvez seja justamente isso que incomode tanto os mais velhos: a constatação de que o vínculo profissional perdeu a aura de eternidade.

Cada geração valoriza aquilo que lhe foi negado. Os boomers buscaram estabilidade porque viveram a escassez da guerra. A geração Z busca movimento porque cresceu em meio à escassez de certezas.

Freud diria que a civilização impõe renúncias. Mas os jovens descobriram que renunciar demais custa caro: custa saúde mental. Assim, saltam de emprego em emprego, não por capricho, mas por sanidade. E talvez esteja aí a maior lição: não é o jovem que pede demissão. É o mundo que já não oferece razões para ficar.

Referências

  • FREUD, S. (1930). O mal-estar na civilização. Imago.
  • LACAN, J. (1966). Écrits. Éditions du Seuil.
  • BOURDIEU, P. (1998). A miséria do mundo. Vozes.
  • ANTUNES, R. (2020). O privilégio da servidão. Boitempo.

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