Durante a pandemia de Covid-19, a violência contra mulheres no Brasil aumentou em meio ao isolamento social e ao colapso das políticas públicas de proteção. Só em 2021, o Brasil registrou 1.437 casos de feminicídio, sendo mais de 60% das vítimas mulheres negras, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nesse contexto de retração estatal, organizações feministas assumiram um papel essencial no enfrentamento dessa violência, como revela um estudo publicado nesta quarta (21) na revista Cadernos Gestão Pública e Cidadania.
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Assinado por pesquisadoras da Universidade de Brasília (UnB), o trabalho analisou as estratégias de oito entidades — seis ONGs e dois coletivos — atuantes em níveis local, estadual e nacional. São elas: Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), Coletivo Feminino Plural, Coletivo Helen Keller, Coturno de Vênus, Instituto Patrícia Galvão, Nova Mulher, Promotoras Legais Populares e Tamo Juntas. As autoras usaram análise qualitativa baseada em entrevistas e conteúdo de redes sociais para compreender como essas organizações enfrentaram o aumento da violência contra as mulheres.
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“Foram muitos os problemas envolvidos. Mas a questão das formas de atuação, de se utilizar mais a questão tecnológica, foi uma das principais. Porque ao mesmo tempo que é uma ferramenta favorável, ainda mais nesse contexto em que não podíamos ter a proximidade física, ela também oferecia desafios. E se o agressor, de repente, tomar o aparelho da mulher que está utilizando para entrar em contato com os movimentos? E as mulheres que não tinham acesso à internet?”, diz Thays de Souza Nogueira, socióloga e uma das autoras do artigo.
A análise identificou um conjunto diversificado de estratégias usadas pelas organizações feministas para lidar com o agravamento da violência contra as mulheres, como:
- Virtualização de atendimentos jurídicos, psicológicos e formativos;
- Ações emergenciais de distribuição de alimentos, itens de higiene e materiais informativos;
- Criação de campanhas de conscientização nas redes sociais e produção de conteúdo digital;
- Incidência política e articulação com parlamentares e conselhos de direitos;
- Monitoramento de serviços públicos e denúncia de retrocessos institucionais;
- Estabelecimento de parcerias com outras organizações e arrecadação por meio de doações;
- Produção de pesquisas, dossiês técnicos e ações de formação para servidores públicos;
- Integração entre o apoio material e o atendimento às vítimas de violência, de forma simultânea e coordenada.
Entre os exemplos mais marcantes, o Coletivo Feminino Plural, no Rio Grande do Sul, manteve o atendimento presencial por meio da gestão do Centro de Referência de Atendimento à Mulher, em parceria com a prefeitura local. Já o CFEMEA, com sede em Brasília, priorizou a atuação política remota, com incidência legislativa, campanhas digitais e apoio técnico em redes feministas nacionais e internacionais. Essas ações mostraram uma forte capacidade de adaptação aos desafios impostos pelo isolamento social e pelas barreiras tecnológicas.
Um dos achados centrais da pesquisa é que essas organizações atuaram como substitutas do Estado, oferecendo serviços como acolhimento, orientação jurídica e capacitação profissional em um momento de forte retração das políticas públicas para mulheres. A escassez de financiamento e a insegurança digital — sobretudo a dificuldade de manter contato com mulheres isoladas com seus agressores — foram desafios recorrentes para essas redes de apoio.
Diante dos desafios da pandemia, essas organizações reinventaram suas formas de agir, buscando novas maneiras de apoiar mulheres em situação de violência mesmo quando tudo parecia desmoronar ao redor, o estudo mostra como os grupos feministas adaptaram suas ações ao contexto da pandemia, inovando em formatos e ampliando redes de solidariedade.
A atuação dessas organizações mostra que, mesmo nos piores cenários, há inovação e resposta social capaz de proteger vidas. A pandemia escancarou falhas estatais, mas também revelou a potência das redes feministas. “Foi justamente a força do coletivo que trouxe acesso a muitos direitos na história do mundo — e nesse período não foi diferente”, conclui Nogueira.
Fonte: Agência Bori