Nietzsche dizia que “tudo o que é profundo ama a máscara”. Hoje, a máscara favorita é a do animador de auditório: sorrir, brilhar, postar, performar. Não basta existir — tem que existir em 15 segundos, com trilha sonora e legenda motivacional. E aí, quando alguém resolve apenas existir em silêncio, chamam de “chato”. Pois bem: talvez o chato seja o último revolucionário.
Vivemos a era em que o tédio virou crime e o silêncio, defeito de caráter. Pascal já avisava no século XVII: “toda infelicidade dos homens deriva de não saberem permanecer em repouso, sozinhos em um quarto” (Pensées, 1670). Mas quem vai ouvir Pascal se o feed ainda não carregou?
O problema é que confundimos “ser interessante” com “ser íntegro”. Interessante é quem molda a cara para o olhar do outro; íntegro é quem mantém a cara — mesmo quando ninguém olha. Emily Dickinson escreveu sua vida inteira para as paredes de Amherst, Kafka pediu que queimassem seus manuscritos (que, por sorte, Max Brod desobedeceu), e Marco Aurélio, o imperador mais poderoso do mundo, falava consigo mesmo em cadernos que só seriam publicados séculos depois (Meditações). Nenhum deles fez dancinha no TikTok.
Aliás, Camus (aquele senhor sempre com cara de que tinha acabado de perder o último bonde) já lembrava em O mito de Sísifo (1942) que repetir pode ser mais heroico que inovar. Sísifo empurrava sua pedra todos os dias montanha acima. Nós, modernos, trocamos a pedra pela timeline: passamos o dia rolando a tela para ver a mesma pedra cair. Ao menos Sísifo tinha bíceps.
A grande ironia é que, enquanto todos se esgoelam para parecer “interessantes”, o verdadeiro poder está em suportar o silêncio. Suportar não como quem aguenta a contragosto, mas como quem descobre nele uma forma de fortaleza. É no intervalo entre um barulho e outro que se revela aquilo que realmente sustenta: o hábito, o tédio, a rotina. Ser chato — esse sujeito previsível que acorda no mesmo horário, escreve no mesmo caderno, bebe o mesmo café — pode ser o único a atravessar a tempestade com dignidade. Porque, quando tudo desmorona, só o previsível continua de pé.
Cioran já avisava que “a alma é esse tédio que nos espreita quando paramos de mentir para nós mesmos” (Breviário da Decomposição, 1949). Em outras palavras, o tédio é a prova dos nove da nossa existência: se você não consegue suportar a própria companhia, não há festa, viagem ou feed de Instagram que resolva. O resto é fogos de artifício, bonitos de longe e inúteis no escuro.
E se ainda assim você tiver medo de ser chato, lembre-se: ninguém nunca morreu de repetição. Mas muita gente já morreu tentando ser interessante demais — de overdose de novidades, de exaustão por agendas lotadas, ou de pura ansiedade por likes. Talvez o maior charme esteja justamente em ser entediante. Entre ser o fogo de artifício que explode em segundos ou a chaleira que apita todo santo dia às 7h da manhã, é a chaleira que sempre volta para a mesa do café.
E convenhamos: é melhor ser previsível e quente como um café fresco do que interessante e frio como uma conversa de elevador. E se ainda assim você tiver medo de ser chato, lembre-se: ninguém nunca morreu de repetição. Mas muita gente já morreu tentando ser interessante.
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Referências bibliográficas (para não dizer que inventei):
Blaise Pascal, Pensées (1670).
Marco Aurélio, Meditações.
Friedrich Nietzsche, Além do Bem e do Mal (1886).
Franz Kafka, Cartas a Max Brod.
Albert Camus, O Mito de Sísifo (1942).
Emil Cioran, Breviário da Decomposição (1949).
Emily Dickinson, Poems (publicados postumamente).


