Com seus olhos miúdos na tela, pescoço torto no celular, dedos ansiosos rolando o feed da vida —
Eis você aqui de novo. Hoje, com licença da ironia (e sem pedir desculpas à esperança), falaremos do capítulo mais deprimente do grande romance contemporâneo: a crise dos Millennials, essa geração que nasceu com esperança, cresceu com boletos, e agora envelhece com culpa.
Sim, senhoras e senhores! Eles vieram ao mundo entre o barulho do disquete e o silêncio dos likes. Foram criados com leite ninho e autoajuda. Prometeram-lhes um futuro brilhante, tipo aqueles comerciais de margarina em que todo mundo acorda feliz e com emprego. E entregaram a eles um presente cinza: burnout e um CEO de 25 anos dizendo que é só “mudar o mindset”.
Antigamente, a crise da meia-idade era charmosa. Um homem largava tudo, comprava uma moto, se apaixonava por uma professora de yoga e dizia: “preciso me reencontrar”. Hoje, o Millennial não tem nem tempo de se perder. A crise dele vem com energia elétrica no talo, internet caindo na reunião e uma notificação do banco avisando: “você está no crédito especial” — que de especial não tem nada.
Essa geração é a única que viu o mundo prometer liberdade e entregar algoritmo. Disseram que o conhecimento seria a chave. E foi: uma chave que abriu a porta do call center. E ali estão eles, doutores em filosofia e garçons de aplicativo, tentando entender por que o futuro, ao invés de brilhar, piscou.
Mas cuidado: não subestime um Millennial. Ele pode estar esgotado, ansioso, devendo e maldormido. Mas ainda assim vai lhe mandar um áudio de sete minutos explicando, com referências, por que a culpa é do neoliberalismo.
Sim, meus caros, chegamos à era do glow down: prometeram aurora boreal, entregaram lâmpada fria. O que fazer? Rir, como sempre. Ou chorar com Wi-Fi. Afinal, como diria meu eu lírico (que, por sorte, nunca pagou aluguel): a esperança é a última que paga o boleto.
A Grande Ilusão do “Faça o Que Ama”
Lembram quando nos disseram que bastava “seguir seu sonho” para o universo conspirar a seu favor? Pois bem, o universo conspirou — para te colocar num subemprego freelancer. Enquanto os Boomers compravam casa aos 30, os Millennials assinaram um aluguel vitalício. Enquanto os pais deles tinham plano de saúde, eles têm meditação guiada no YouTube. E, pior, enquanto a geração anterior acumulava aposentadoria, esta aqui acumula ansiedade e posts sobre burnout.
Era uma vez uma revolução. Uma dessas revoluções modernas, sem armas, sem hinos, sem ideologia — mas com muitos logos coloridos, cafés orgânicos e slogans motivacionais.
“Startups vão mudar o mundo!” — diziam, com olhos brilhantes e PowerPoint animado. E mudaram mesmo. Só esqueceram de dizer que o mundo ia mudar de endereço: do escritório para o SERASA.
Das milhares de startups promissoras, 90% viraram cartas de despedida no LinkedIn. O resto virou NFT. E sumiu igual.
“Trabalhe de qualquer lugar!” — bradavam os gurus do novo trabalho. E lá foram eles, os Millennials, cheios de sonhos e mochilas, trabalhar do mundo inteiro: da cama para o banheiro, do banheiro pra cozinha e da cozinha pro quarto — que, aliás, é o mesmo lugar desde o começo.
“Propósito é tudo!” — gritavam os influenciadores com luz de ring light e coaching na bio. Mas propósito, meus caros, não paga aluguel. Nem o combo médio no iFood. Às vezes, o único propósito é chegar ao fim do mês sem vender a air fryer no OLX.
Agora, a conta chegou. Literalmente. 81% dos Millennials afirmam que não podem bancar uma crise existencial. E não é por falta de vontade — é por falta de crédito mesmo. A alma até queria entrar em colapso, mas o boleto vence antes.
E como se não bastasse, o mundo resolveu virar “anti-woke”. Traduzindo para quem ainda não fala idioma corporativo do ressentimento:
“Chega de mimimi, vamos voltar aos anos 80, quando ninguém tinha ansiedade (porque ninguém tinha diagnóstico) e tudo se resolvia com chopp e opressão.” Sim, a tal revolução virou precariedade com plano de dados. O Millennial é o operário do século XXI: só que sem fábrica, sem férias, sem sindicato — mas com Wi-Fi (instável) e um podcast de filosofia estóica pra fingir que está tudo bem. E está “tudo bem” . Porque se tem uma coisa que essa geração aprendeu, foi a rir do próprio desastre: Quem não tem futuro brilhante, brilha na ironia.
Mas vejamos: nem tudo está perdido.
Afinal, esta geração — essa mesma que mal consegue pagar o streaming e ainda assim assina três — trouxe à tona pautas urgentes: saúde mental, diversidade, sustentabilidade… e outras palavras que viraram estampa de ecobag.
Sim, discutiram o mundo, problematizaram a vida, cancelaram o racismo e até tentaram reciclar o capitalismo. Mas esqueceram de um detalhe: o capitalismo recicla mais rápido. E melhor. Absorve tudo. Inclusive a revolução, desde que venha com bom design e parcelamento em 12x. E agora? Agora resta pivotar. Trocar o “start me up” pelo “estou estudando pra um concurso”. Substituir o “quero mudar o mundo” pelo muito mais realista “quero sobreviver a ele com dignidade e talvez vale-refeição”.
E aceitar, com humildade homeopática, que o verdadeiro glow up é conseguir dormir sem precisar de tarja preta ou mantra tibetano.
O futuro que prometeram virou uma planilha de metas inalcançáveis. Com prazos flutuantes, metas SMART demais pra serem humanas, e um gráfico de pizza que só mostra fatia pros outros. O otimista acredita no amanhã. O pessimista já sabe que o amanhã vai cobrar juros. E o Millennial? O Millennial só queria um amanhã com internet boa, boletos pagos e talvez um cupom de 20% no mercado.
Sonhar é bom — dá engajamento, dá TED Talk, dá até livro. Mas a vida real? Essa cobra antes do fechamento do cartão.E, entre um sonho e outro, o que a gente quer mesmo é conseguir dormir tranquilo, comer sem culpa e viver sem achar que está sempre atrasado pra alguma coisa. E isso, hoje em dia, já é quase um milagre.
Por marcus.leite1 – Marcus Vinicius Leite é psicanalista, escritor e redator nas horas pagas e gaitista nas horas vagas. Autor de quatro livros de crônicas, mantém o podcast “Pensatas Curtas”, onde traduz a psicanálise para o cotidiano com humor e sensibilidade – Disponível nas plataformas de streaming.