Ansiedade Tem Cura. Só Não é Pra Agora

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A psicanálise é como a escada rolante parada no meio do shopping: continua sendo uma escada, mas exige esforço. Muita gente passa por ela, olha desconfiada e desce de lado — com medo de cair em si. Porque cair em si… ah, isso dói. E não tem anestesia.

Antigamente, Freud era aquele senhor barbudo que só aparecia em aula de sociologia e em livros que ninguém lia (com exceção dos neuróticos bem intencionados). Hoje, virou quase um coach gourmetizado: falam em ego, recalque e desejo como quem pede latte com leite vegetal. E, como bem nota Vera Iaconelli no seu livro Análise (Zahar, 2024), virou moda dizer que se está “em análise” como quem exibe um selinho azul de verificado emocional. Mas não se enganem: a análise não é spa da alma. É campo de guerra. E o inimigo é você mesmo — mal dormido, mal entendido e mal disfarçado.

Iaconelli, que tem se destacado como uma das vozes mais lúcidas na imprensa (Folha de S. Paulo, Podcast Coisa de Mãe), afirma o óbvio ululante que ninguém quer ouvir: a psicanálise não é milagre, é método. Não oferece atalhos, oferece labirintos. Não cura, revela. E o que se revela, muitas vezes, é um sujeito malcriado, com fantasias de grandeza, medo de abandono e inveja do irmão mais novo. Tudo isso depois dos 40.

A autora, como boa analista (e boa filha), mistura o pessoal e o clínico. Repassa memórias, tropeços, maternidade, silêncios herdados e tudo mais que costuma virar tabu nas famílias tipo margarina — aquelas em que todos sorriem com o pão na mão e o recalque entalado na garganta.

Porque, como nos lembra Freud em Totem e Tabu (1913), a civilização começou justamente reprimindo o desejo, o impulso, a selvageria. E a família, ah, essa pequena instituição totalitária do afeto, adora colocar cortina em tudo: no incômodo, no trauma, no desejo de ser diferente — ou só de ser. Mas a psicanálise, essa arte de escutar o que não se disse, não tolera cortinas. Ela entra pela janela do incômodo e faz faxina nos porões. “Não é que a análise demora — é que o inconsciente tem a pontualidade de um político em véspera de eleição: só aparece quando quer”, diz Iaconelli. Ou seja: análise é esperar o insight com a mesma paciência de quem espera o wi-fi voltar na roça.

O problema é que estamos na era da pressa. A dor virou defeito de fabricação, e a tristeza, falta de produtividade. A lógica performática — essa usina de ansiedade com fundo musical de playlist lo-fi — quer transformar angústia em algoritmo e análise em aplicativo. Mas o inconsciente, como dizia Lacan (e repetia minha tia), não tem hora marcada nem gosta de perguntas óbvias.

Vera Iaconelli, com coragem e generosidade, nos lembra que análise não é para virar Buda — é para parar de bancar o super-homem. Que ser analisado não é virar gente equilibrada, mas gente implicada. Que o amor só começa quando o outro deixa de ser o que a gente esperava e a gente ainda assim continua gostando — mesmo sem saber explicar.

E como ela bem diz: a família moderna, essa minicorporação emocional, precisa de arejamento. O amor precisa de vento, senão vira sufoco. O sujeito precisa se separar da árvore genealógica para virar floresta. E, às vezes, precisa passar por anos de análise para perceber que pode, sim, amar os pais — sem virar cópia carbono deles.

Então, senhoras e senhores, cuidado com quem promete análise rápida. É cilada. Como já dizia o velho Freud (ou talvez minha avó): “o que é rápido demais, provavelmente está escapando de alguma coisa”. A psicanálise não cura. E nem deveria. Mas, se feita com ética, paciência e disposição para olhar no espelho (mesmo trincado), ela tem o poder revolucionário de transformar o “por que isso sempre acontece comigo?” em “ah… então fui eu que fiz isso comigo”.

E só por isso, já vale a sessão.

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