Felicidade em parcelas

O estoicismo, dizem, é a arte de aceitar a vida como ela é. O problema é que a vida, hoje, não aceita ser aceita. Quer ser curtida, compartilhada e comentada em até 280 caracteres. Sêneca, em Da Brevidade da Vida (55 d.C./2014), dizia que não desperdiçamos a vida porque ela é curta, mas porque a gastamos mal. Se vivesse em 2025, corrigiria: “a vida é longa, mas o feed é infinito” — e aí sim estaríamos perdidos. Afinal, o tempo que antes se perdia em anfiteatros e banquetes hoje se perde rolando telas que nunca chegam ao fim.

Os romanos tinham o luxo de não planejar o futuro. O amanhã era parecido com o hoje: pão, circo e, com sorte, um javali assado. Nós, modernos, não temos javali, mas temos boletos — que, por sua vez, não aceitam estoicismo como forma de pagamento. Marco Aurélio, em suas Meditações (180 d.C./2006), aconselhava a viver o presente e suportar com dignidade aquilo que não se pode mudar. Bela lição. Mas ele esqueceu de ensinar como pagar o cartão de crédito sem pensar em 12 vezes — e isso, convenhamos, não estava no horizonte de um imperador.

Nietzsche, sempre com excesso de potência, afirmava que viver plenamente é transformar a vida em obra de arte (A Gaia Ciência, 1882/2012). O problema é que, para muitos, essa obra já vem em kit: moldura comprada na Tok&Stok, iluminação na Leroy Merlin e a assinatura do artista terceirizada para o ChatGPT — Como lembra Lipovetsky em A Estetização do Mundo (2015), somos todos curadores da nossa própria mediocridade, vivendo num museu de likes em vez de na intensidade da experiência.

E quanto ao desperdício? Cícero, em Sobre os Deveres (44 a.C./2012), condenava os que se entregavam ao vinho, à luxúria e aos banquetes. O Brasil moderno, por outro lado, condena os que não se entregam. É o famoso “quem não bebe não se diverte”, “quem não posta não existe” e “quem não consome não ajuda o PIB”. A moral mudou, o desperdício continua — só ficou mais caro e com parcelamento em até 24 vezes sem juros.

Os estoicos acreditavam que a fortuna é quem manda. No Brasil, a fortuna também manda, mas geralmente mora em condomínio fechado, tem blindagem e não divide espaço com filosofia. Pierre Bourdieu já lembrava, em A Distinção (1979/2007), que a riqueza não é apenas material: é simbólica, estética e cultural. No nosso caso, o símbolo maior da fortuna talvez seja o carro blindado parado no engarrafamento, onde até o milionário precisa praticar a paciência estoica.

Nos resta uma versão mais humilde — e tragicômica — do estoicismo: sorrir no engarrafamento, aceitar o aumento do aluguel e continuar pagando o streaming mesmo sem tempo de assistir. Byung-Chul Han, em Sociedade do Cansaço (2010/2015), alerta que o sujeito contemporâneo já não é oprimido pelo tirano externo, mas pelo excesso de desempenho interno. Traduzindo: não é Nero que nos castiga, somos nós mesmos, cobrando produtividade até do tempo livre.

Resumindo pro Homer Simpson e pro Seu Creysson entender: viver como estoico, hoje, é a arte de suportar tudo isso sem precisar de rivotril. Ou, quem sabe, suportando tudo isso com rivotril, mas mantendo o sorriso, como recomendava Epicteto (Manual de Epicteto, 125 d.C./2010): “Não é o que acontece com você, mas como você reage ao que acontece”. Difícil é reagir à fatura do cartão com sabedoria grega, diz aí!

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