O diploma como promessa quebrada

College.

Era uma vez uma geração que acreditou piamente numa frase repetida como mantra pelos pais, professores e até pelo síndico do prédio: “Estude para ser alguém na vida.” E os millennials estudaram. Estudaram como quem junta figurinhas raras. Faculdade, pós, MBA, intercâmbio, curso de barista gourmet para colocar no LinkedIn. Nunca se leu tanto PDF e se fez tanta monografia sobre assuntos que ninguém leria.

Mas, a vida é aquilo que acontece enquanto você está ocupado demais fazendo provas. E a vida aconteceu: diploma no bolso, dívida no banco, frustração na cabeça.

Freud já tinha dado o spoiler em O mal-estar na civilização (1930): a cultura promete prazer em troca de sacrifício, mas entrega frustração. O millennial é a cobaia desse pacto: trocou festas por apostilas, juventude por planilhas, acreditando que a recompensa seria estabilidade. O prêmio? Uma vaga de estágio mal paga ou, no máximo, ser “chefe” sem aumento.

O mercado, esse analista selvagem e sem ética, só reforçou a neurose: “Você não tem experiência.” Quando a experiência chegou, a resposta mudou: “Você já passou da idade.” Em psicanalês: um gozo perverso, onde a promessa nunca se cumpre, só se renova.

Pierre Bourdieu, em A Reprodução (1970), já alertava: o diploma é uma moeda que só vale enquanto é rara. Quando todo mundo tem, vira papel-moeda inflacionado. Foi assim que a faculdade se transformou no novo ensino médio: requisito mínimo, sem valor de distinção.

Resultado: correria atrás de mestrado, doutorado, pós-doc… até que o sujeito descobre que a vida virou uma esteira ergométrica: muito esforço, nenhum deslocamento.

E, no meio dessa maratona, surgiram os coaches. Verdadeiros animadores de auditório da meritocracia. Vendiam pacotes de autoajuda como se fossem viagens à Disney: “Seja o Steve Jobs do seu bairro!” O millennial acreditou, comprou a passagem e desembarcou no burnout. Hoje até os coaches mudaram de profissão: descobriram que é mais rentável vender fé do que vender planilha.

A psicanálise chama isso de quebra do pacto narcísico (Kaës, 2005): a geração recebeu dos pais a promessa de que “estudo traz futuro”. Descobriram que era só mais uma mentira institucionalizada. E nada adoece mais do que descobrir que até a lei paterna é uma fraude.

Sintomas? Ansiedade, síndrome do impostor, noites mal dormidas e comprimidos que valem mais do que bônus salarial. A Organização Mundial da Saúde já decretou: nunca uma geração tomou tanto remédio para continuar funcionando. O rivotril virou o contracheque possível.

E aí, o que resta? Ironia das ironias: para manter a sanidade, o millennial precisa abrir mão justamente do que lhe venderam como objetivo — sucesso, fama, dinheiro. Hoje o sonho dourado se resume a um aluguel pago, uma geladeira cheia e o luxo de dormir oito horas por noite.

Prometeram-nos um futuro brilhante. Fizeram discursos, venderam manuais, distribuíram cartilhas de otimismo com capa colorida. Disseram que o amanhã seria uma festa com champanhe, foguetes e aplausos.

O amanhã chegou. E trouxe boleto.

No lugar da aurora radiosa, instalou-se um débito automático. O sol que prometeram nasceu quadrado, dentro da tela do celular. Brilha, sim, mas na forma de juros compostos.

E a grande revolução? Ah, essa veio no extrato bancário: agora o dinheiro sai sozinho da conta, poupando-nos até o trabalho de sofrer manualmente. Um futuro tão brilhante que reflete na fatura do cartão — e cega.

O progresso não nos deu asas, deu-nos senha. Não nos deu liberdade, deu-nos limite de crédito. Não nos deu destino, deu-nos débito. Prometeram-nos um futuro brilhante. Entregaram-nos uma lanterna sem pilha.

📚 Referências

  • Freud, S. (1930). O mal-estar na civilização.
  • Bourdieu, P. & Passeron, J.-C. (1970). A reprodução.
  • Kaës, R. (2005). Os pactos narcísicos.
  • Han, B.-C. (2017). Sociedade do cansaço.

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