Ele, que passou a vida observando macacos estressados no Quênia, agora virou profeta das máquinas biológicas aqui na Terra — e de humanos, principalmente.
Sapolsky diz que não existe livre arbítrio. Nada de você escolher a cor do seu sapato ou decidir tomar sorvete de chocolate ou baunilha por puro capricho. Tudo já vem “pré-mastigado” pela sua biologia, sua história, o ambiente, seu DNA, as aulas chatas que você teve na infância e até o cheiro do pão que sua mãe fazia no café da manhã. Somos, segundo ele, uma orquestra afinada por um maestro invisível: a causalidade.
Agora, com a psicanálise, essa ideia ganha um tempero ainda mais interessante. Pense no inconsciente, essa sala escura onde guardamos desejos, traumas, lembranças que nem imaginamos que carregamos, e que insistem em puxar as cordas da nossa vontade. A gente gosta de se achar dono do volante, mas, na verdade, muitas vezes o carro está dirigindo sozinho, guiado por mapas antigos gravados lá no fundo da alma — mapas esses que a infância escreveu com tinta indelével. O cheiro do pão da mãe? Ah, isso é só um convite para o coração decidir antes que a razão possa dizer qualquer coisa.
Assim, quando escolhemos o sabor do sorvete, não estamos realmente escolhendo, mas respondendo a um acúmulo de experiências, impulsos e necessidades que o consciente mal consegue decifrar. É como se o “eu” fosse um maestro que acredita reger uma orquestra, mas que na verdade está sendo guiado por partituras escritas por mãos invisíveis: o ambiente que nos moldou, as emoções que não conseguimos domar, e aquela velha biologia que insiste em nos lembrar de que somos mais corpo do que a mente gostaria de admitir.
No palco psicanalítico, a liberdade de escolha é mais uma ilusão poética do que um fato concreto. A neurociência confirma o que a psicanálise já dizia: não escolhemos pensar, sentir ou agir num vácuo. Somos determinados por uma cadeia infinita de causas que nos antecedem, um encadeamento tão sutil e complexo que até nossas decisões mais “livres” acabam parecendo peças de um quebra-cabeça montado há muito tempo.
E essa orquestra invisível, que Sapolsky chama de causalidade, não está só lá fora, no mundo físico, mas dentro de nós, no entrelaçamento dos nossos desejos conscientes com os inconscientes. Ou seja, a gente acha que está escolhendo o sapato, mas já chegou com ele nos pés desde a primeira memória afetiva — ou na sombra do que não nos atrevemos a lembrar.
Por isso, acreditar no livre arbítrio é como achar que o autor da peça pode mudar o roteiro no meio do espetáculo, quando, na verdade, ele é prisioneiro das palavras que escreveu — palavras que a biologia e a psicanálise se encarregam de sussurrar para ele desde o início. E nessa trama, entender que somos mais marionetes do que maestros pode parecer cruel, mas é também um convite a olhar para nós mesmos com menos julgamento e mais compaixão. Afinal, o que é mais humano do que admitir a própria complexidade e fragilidade diante de uma orquestra que nunca tocamos sozinhos?
“Se você acredita que escolhe, ótimo, mas essa crença já está determinada”, ele diz, dando aquela invertida que faz a gente coçar a cabeça e pensar: “Mas e a culpa? E a responsabilidade?”
Sapolsky, com a paciência de quem já estudou milhões de neurônios, explica que a noção de “culpa” perde sentido quando sabemos que ninguém manda 100% no que faz. Punir alguém, para ele, é como querer brigar com o espelho porque ele reflete a sua cara feia.
Mas antes que você ache que Sapolsky é o diabo da filosofia, ele joga a luz do perdão: aceitar que somos máquinas biológicas significa também aceitar a humanidade do outro — com seus defeitos, erros e trapalhadas. É um convite à compreensão, para parar de odiar quem escorrega e errar.
Claro, tem gente que acha que essa ideia é um convite ao desespero e à preguiça moral — “Se ninguém tem livre arbítrio, pra que se importar?”. Mas Sapolsky rebate: é libertador saber que não estamos sós nessa dança cósmica de causas e efeitos. A culpa não serve, a compaixão sim.
Sapolsky, com aquela generosidade meio zen de quem já largou mão de brigar com a realidade, nos manda o recado: a vida é uma montanha-russa que você nem escolheu subir — cheia de loopings comandados por forças invisíveis que não consultam seu horário. Então, caro leitor(a),relaxa, desencana dessa ilusão de controle que nem GPS resolve, e faz um esforço para ser gentil. Porque, convenhamos, ninguém passa de uma máquina mal programada tentando entender o manual que nunca recebeu, no meio desse circo tragicômico que chamamos de existência. E o espetáculo? Ah, esse continua, com ou sem a nossa permissão.